segunda-feira, 21 de maio de 2012

A HISTÓRIA DE PARANAPIACABA

     Segundo capítulo da série PARANAPIACABA, onde história
 e magia se encontram



 Paranapiacaba ou em tupi guarani “paranã apiaca aba” cuja tradução: “Lugar de onde se vê o mar”. Em dias claros, esta era a visão que tinham os povos indígenas que passavam por ali, depois de subir a Serra do Mar rumo ao planalto, e que atualmente os turistas da Vila de Paranapiacaba podem vislumbrar através do mirante ou de uma das várias janelas do “castelinho” antiga moradia do engenheiro-chefe da ferrovia.
         No século XIX, naquele caminho íngreme utilizado pelos índios, desde os tempos pré-coloniais, seria construída uma estrada de ferro que mudaria a paisagem do interior paulista e ocasionaria a fundação da vila de Paranapiacaba. O fator preponderante para a construção da Ferrovia Santos-Jundiaí foi a expansão do café, que chegou ao Rio de Janeiro no início do século XIX e logo se espalhou pelo vale do Rio Paraíba. A próxima região ocupada pela cultura cafeeira seria o oeste paulista, já bem no interior do estado. A partir daí, tornou-se urgente encontrar um meio de escoar o café com maior facilidade para o Porto de Santos. O mercado no exterior era certo, mas o produto levava dias de viagem em tropas de muares (mulas) até o litoral.  A história de Paranapiacaba tem seu verdadeiro início em 1835, quando os primeiros estudos para a implantação da ferrovia começaram, mas foi apenas depois de 1850 que a idéia começou a sair do papel, graças ao espírito empreendedor do Barão de Mauá.

Barão de Mauá
Ele encontrou nos ingleses os parceiros ideais para executar o projeto. Além de ter interesses em dinamizar o fluxo de exportação e importação brasileiro, a Inglaterra detinha uma vasta experiência na construção de ferrovias, utilizando a tecnologia da máquina a vapor - algo imprescindível para vencer as dificuldades técnicas impostas pelo desnível de 796 metros entre o topo da serra e o litoral.
Em 26 de abril de 1856, a recém-criada empresa inglesa São Paulo Railway Co. recebia, por um decreto imperial do então Imperador D. Pedro II, a concessão para a construção e exploração da ferrovia por 90 anos. As obras tiveram início em 1860, comandadas pelo engenheiro inglês Daniel M. Fox.
 Dadas as características extremamente íngremes do trecho da serra, adotou-se o chamado sistema funicular: o percurso foi dividido em quatro planos inclinados, cada um com uma máquina fixa a vapor que tracionava as composições através de cabos de aço.


 A vila de Paranapiacaba era inicialmente apenas um acampamento de operários. Depois da inauguração da ferrovia, em 1867, houve a necessidade de se fixar parte deles no local para cuidar da manutenção do sistema. Assim, construiu-se a Estação Alto da Serra, que também foi o primeiro nome dado ao lugarejo. Por causa da sua localização, último ponto antes da descida da serra, a vila começou a ganhar importância. Também nesta época foi fundada, em torno da estação São Bernardo, a futura cidade de Santo André, à qual a vila de Paranapiacaba pertence hoje.

Enquanto isso, a ocupação no interior do estado se consolidava, graças à estrada de ferro. O comércio e a produção agrícola aumentaram significativamente. Em pouco tempo  já era preciso duplicar a ferrovia. A partir de 1896, começaram as obras. Paralelamente aos trabalhos de duplicação, a vila também sofreria modificações. No alto de uma colina, os ingleses construíram a casa do engenheiro-chefe, chamada de Castelinho, de onde toda a movimentação no pátio ferroviário poderia ser observada. Na mesma época, foi erguida a Vila Martim Smith, com casas em estilo inglês, de madeira e telhados em ardósia, para servir de moradia aos funcionários da empresa. No ano de 1898, é erguida uma nova estação com madeira, ferro e telhas francesas trazidos da Inglaterra. Esta estação tinha como característica principal o grande relógio fabricado pela Johnny Walker Benson, de Londres, que se destacava no meio da neblina - muito comum naquela região. Em 1900, o novo sistema de planos inclinados é inaugurado, recebendo o nome de Serra Nova. Em 1907 a vila recebe seu nome definitivo como é conhecido até  hoje por Vila de Paranapiacaba.

Do outro lado da estrada de ferro, a Parte Alta de Paranapiacaba, que não pertencia à companhia, seguia padrões arquitetônicos diversos daqueles da vila inglesa. A área começou a ser ocupada por comerciantes italianos e portugueses para atender os ferroviários já na década de 1860. Ali também moravam os funcionários aposentados, que não poderiam mais usar as casas cedidas pela empresa.

Até meados da década de 40, os moradores viviam ali como uma grande família. A vila era bem cuidada, com ruas arborizadas e casas pintadas.


Museu do funicular

Trata-se da exibição das máquinas fixas do quinto patamar da segunda linha e a do quarto patamar da primeira linha, que transportavam o trem por meio do sistema funicular.
No museu há também a exposição de diversos objetos de uso ferroviário, fotos e fichas funcionais de muitos ex-funcionários da ferrovia. 
Clube União Lira Serrano
Esse clube é a união da Sociedade Recreativa Lira da Serra e do Serrano Atlético Clube os dois incentivados pela São Paulo Railway. Sua sede foi edificada na década de 1930, época das últimas construções da SPR, como o antigo II Grupo Escolar, ambos localizados na antiga Praça Prudente de Moraes. O prédio em madeira, coberto por telhas francesas, possui um hall de entrada que distribui os acessos.  O salão se transformava em quadra de futebol. Por cima do palco, apreciam-se as urdiduras do teto para a sustentação de cenários dos espetáculos que ali ocorriam.


Vista interna do salão de espetáculos do Clube União Lira Serrano

Vista interna do salão de espetáculos do Clube União Lira Serrano
A boca de cena possuía adaptação para descida de tela que projetava filmes de cinema. Na parede oposta existem os visores da sala de projeção, onde se pode ver os dois projetores originais fixados ao chão. Nas laterais existem dois camarotes que foram utilizados pelo alto escalão da SPR, e placas metálicas com os nomes dos frequentadores.
No pavimento superior encontra-se o coro (foyer), que dá acesso à sala de troféus onde se pode apreciar uma vasta coleção da premiação de futebol e outras atividades esportivas ocorridas no antigo clube - testemunhos da história local. Contam os antigos que os jogadores locais, nas partidas contra visitantes, eram grandemente beneficiados pela espessa neblina que amiúde se abatia sobre o campo, por terem desenvolvido uma espécie de sexto-sentido baseado na audição. O grande empreendedor da linha ferroviária santos-jundiaí foi o Barão de Mauá. Ele acreditava que com um transporte mais rápido ele poderia aumentar suas vendas e também seus lucros. Outro importante ponto de encontro, para fechar um negócio ou conversar sobre política e futebol, era a Estação. Nas noites de sábados e domingos, moços e moças bem alinhados, interessados em namorar, caminhavam pelas plataformas largas, como relata João Ferreira, antigo morador da vila.Em 1946, termina o período de concessão da São Paulo Railway Co. e todo seu patrimônio é incorporado ao da União. Este fato é apontado pelos antigos moradores como o início da decadência da vila. Com a desativação parcial do sistema funicular, na década de 70, mais um golpe: parte dos funcionários é dispensada ou aposentada e outros são contratados, para cuidar do novo sistema de transposição da serra - a cremalheira-aderência.

Nos anos 1980, depois de várias denúncias na imprensa sobre a deterioração da vila, é criado o Movimento Pró-Paranapiacaba. Em 1986, a Rede Ferroviária entregou restaurados o sistema funicular entre o 4° e o 5° patamares e o Castelinho.  No ano seguinte, o núcleo urbano, os equipamentos ferroviários e a área natural de Paranapiacaba foram tombados pelo CONDEPHAAT - Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo. Atualmente sua porção de Mata Atlântica é núcleo da Reserva da Biosfera do Cinturão Verde da cidade de São Paulo e integra também a Reserva da Biosfera da Mata Atlântica, reconhecida pela UNESCO como uma importante área de conservação ambiental para a humanidade.      Tombada pelo CONDEPHAAT (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico, Arqueológico e Turístico do Estado de São Paulo) em 1987, Paranapiacaba está entre os 100 maiores monumentos históricos do mundo, figurando na lista da WMF( World Monuments Fund).
Antigo mercado
O antigo mercado foi construído em 1899 para abrigar um empório de secos e molhados, e, posteriormente, uma lanchonete. Após muitos anos fechado, foi restaurado pela prefeitura de Santo André e tornou-se um centro multicultural. Com sua posição central privilegiada, permite que os eventos realizados tenham  um cenário charmoso na serra.
Pau da missa
O "pau da missa" é um eucalipto centenário originalmente utilizado para avisos relacionados às missas de sétimo dia. Devido a sua boa localização, entre a Parte Alta e a Parte Baixa, esta árvore tornou-se um dos símbolos de Paranapiacaba, pois servia como suporte para informações da comunidade, integrando as duas partes da vila.
Casas geminadas de quarto em madeira
Os ferroviários que possuíam família, com esposas e filhos, habitavam casas com maior número de cômodos. Eram construídas em madeira e cobertas por folhas de zinco. Esta tipologia era próxima às geminadas duas a duas.
Casas dos engenheiros
Característica da arquitetura hierarquizada de Paranapiacaba, as casas habitadas pelos engenheiros e suas famílias eram de alto padrão. Grandes e avarandadas, foram construídas em madeira nos tempos da São Paulo Railway, com plantas baixas individualizadas; depois, em alvenaria nos tempos da Rede Ferroviária Federal, com mesmo padrão de plantas. Muitas sofreram reformas em vários momentos, principalmente com a chegada da RFFSA.
Uma das caracteríticas que chama a atenção é a cobertura do imóvel, pois somente com estudos elaborados pelos conselhos de reconhecimento, concluiu-se que o material das telhas não era ardósia, e sim fibrocimento, introduzidos provavelmente a partir da década de 50 entre alguma das reformas que sofreram.
Casas de solteiros
Características da arquitetura hierarquizada de Paranapiacaba, as casas de solteiros eram conhecidas como barracos.
Foram construídas em madeira, exceto duas em alvenaria.
Essa tipologia foi criada pela São Paulo Railway, e a Rede Ferroviária Federal deu continuidade, construindo-as em alvenaria.
A planta dessas casas possui dormitórios, sanitários e cozinha para pequenas refeições, serviam para alojar o grande fluxo de homens solteiros, que preenchiam as vagas de ferroviários.
Havia poucos sanitários e chuveiros, já que os trabalhadores se revezavam em turnos.

O locobreque

Locobreque em 1987 funcionando só para turistas
Locobreque em 1987 funcionando só para turistas
O "locobreque" tinha a função de frear a composição na descida da serra, que simultaneamente puxava outra que subia. O cabo entre as duas máquinas passava por uma grande roda volante, chamada de "máquina-fixa" que ficava em cada um dos cinco patamares. Do nome inglês original, loco-brake, a máquina funcionava pela queima de carvão ou madeira numa fornalha, abastecida pelo foguista, que trabalhava ao lado do maquinista. As máquinas "locobreque" foram construídas em 1901 por Robert Stephenson & Co. Ltd. O sistema funicular proporcionava maior economia de energia gasta pelo "locobreque" e possibilitava o desempenho do trem nos aclives e declives. Havia uma inclinação de 8 graus entre cada um dos cinco patamares. Quando subia a Serra do Mar, o "locobreque" empurrava os vagões, que ficavam na frente da máquina. Quando descia, ele segurava os vagões, que ficavam atrás da máquina. Como o trem não tinha marcha-ré, havia um sistema chamado popularmente de "viradouro", através do qual os funcionários invertiam o sentido da locomotiva, empurrando a máquina em torno de si mesma. Antes do "locobreque" havia uma primitiva máquina de madeira, também tracionada por cabos, que fazia o transporte entre os cinco patamares. Era o "serrabreque". Durante a operação do "serrabreque", o Barão de Mauá ainda era um dos financistas da companhia. Até a metade do século XX, o transporte ferroviário era sinônimo de luxo. E um dos marcos foi o trem Cometa, que fazia a linha Santos – São Paulo. O trem possuía serviço de bordo e poltronas leito, como as de ônibus. Além dele, também havia os trens Estrela, Planeta e Litorina (Semi-luxo).
Personagens de Paranapiacaba
A história do "locobreque" e de Paranapiacaba não retrata apenas o desenvolvimento, a economia e uma época de ouro da ferrovia. Milhares de rostos fizeram com que São Paulo e o Brasil crescessem através dos trilhos. Romão Justo Filho, ex-maquinista de Paranapiacaba, é um desses rostos. Condecorado pela administração do governo federal por salvar a vida de cerca de 150 pessoas, quando evitou um acidente com o "locobreque", em 29 de julho de 1956, ele voltou à serra no dia 23 de fevereiro de 1999. Os acidentes devido ao rompimento dos cabos não eram tão raros, mas em quase todos os casos, o resultado era fatal. Devido ao êxito do maquinista, que foi freando aos poucos a composição, os administradores chegaram a colocar uma placa de bronze com o nome de Romão na máquina. A placa pode ser vista no museu ferroviário em Paranapiacaba. No dia do acidente, ele trabalhava com o foguista Adriano Souza Andrade. Filho de ferroviário e de família espanhola, Romão nasceu a 24 de março de 1911, em Paranapiacaba. Uma curiosidade é que no dia tinha acontecido um jogo do Corinthians, na cidade de Santos, no Litoral Paulista. Parte dos 150 passageiros era de torcedores. Em varias entrevistas, na época, por causa do acidente, Romão Justo Filho creditou muito à fé em Deus pelo fato de a tragédia ter sido evitada. Ele começou a trabalhar aos treze anos de idade como limpador de máquinas. Romão se recorda que recebeu elogios ao deixar uma máquina "brilhando", que transportaria o rei Alberto, da Bélgica, que foi visitar o Brasil. Atuou também no Sindicato dos Ferroviários e trabalhou na área administrativa da ferrovia, mas sua paixão era mesmo os trilhos. Romão casou-se em Paranapiacaba com Maria Guiomar e teve um filho e três filhas: Ramón, Dirce, Mirian e Ada. O maquinista morreu aos 94 anos de idade, no dia 22 de novembro de 2005, no Hospital Santa Helena em Santo André, vítima de broncopneumonia e infeccção generalizada, mas deixou um legado importante na história de Paranapiacaba.
O incêndio da segunda estação de Paranapiacaba
A atual estação de Paranapiacaba não é o mesmo prédio construído pelos ingleses no final do século XIX. O prédio original tinha trilhos por onde passavam os trens pelos dois lados, era bem maior que o atual, mas foi destruído por um incêndio em 1981. Antes mesmo do incêndio, a estação já havia sido desativada em 1977 e substituída pelo prédio atual. O relógio estilo britânico foi poupado e deslocado para uma torre mais alta que a anterior. Outras histórias de incêndios marcaram a história da linha Santos - Jundiaí. Em 1946, parte da Estação da Luz, na região Central da Capital Paulista, foi destruída pelas chamas. Este incêndio ocorreu dois dias antes do término de concessão da empresa de capital inglês, São Paulo Railway. Documentos importantes sobre o contrato foram destruídos. Tanto no caso de Paranapiacaba quanto no da Estação da Luz, houve suspeita de incêndios criminosos.

Bibliografia:

Tombamento Nacional pelo IPHAN em 2002.

Tombamento Municipal pelo COMDEPHAAPASA em 2003.

Tesouro Cultural Mundial – WMF - 2000.

Wikipédia.










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