CINZA

... Ela olhou pela janela e viu que o céu havia nublado, tão cinza quanto seu coração despedaçado,  tão frio quanto um quarto vazio.  Ela pensou que o cinza chumbo do céu que chorava gotas cristalinas se parecia hoje com ela, tinha um gosto amargo na boca, gosto de quem perde a ilusão,  de quem inunda o coração de dor, o sabor? Salgado, ardido, então decidiu que devia comer alguma coisa mas nada desceu ou então beber algo mas gosto de nada sentia, decidiu então se deitar naquele dia frio, cinza, úmido e triste. Seus olhos estavam pesados, seu coração cansado,  seu corpo doído e já entregue a solidão o sono chegou.

E então Ela sonhou...

... sentiu chegar um cheiro suave meio doce e amadeirado como se estivessem esfregando uma fruta na casca de uma árvore mas ela não via, não sabia de onde vinha ficou confusa, ao longe ouviu uma voz doce e melodiosa de quem fala com calma e com carinho, mas olhou para um lado e para o outro e nada encontrou, se levantou e então caminhou pela praia, margeando as pequenas ondas que tocavam a areia quente e seus pés,  espumas brancas acariciavam sua pele como quem já sabia.  

No por do sol dentro da água quente do mar num dia de verão ela parou e olhou o sol se despedir dando lugar ao crepúsculo, fechou seus olhos e se tocou como num abraço e ali entregue ao seu coração sentiu que outros braços tomou os seus e pode sentir um toque diferente do seu, um toque leve como a chuva fria e suave, delicado, macio o tipo de carinho que ela mais desejava, e se arrepiou, ela sentiu que o abraço não tinha pressa, como quem poderia ficar ali a vida toda e assim descobrir cada centímetro, e ela disse: "hummmm é tão bom, tão bom".

Uma onda nesta hora a atingiu no rosto e ela saiu deste transe, ela abriu os olhos e viu que estava em sua cama quente, em seu quarto vazio,  olhou para a janela ainda deitada e la fora o céu ainda chorava cinza,  seu coração esfriou mais uma vez e ela dormiu novamente,  agora sem sonhos.